Prisão sem crime: a face oculta do novo autoritarismo no Brasil
- Rogério Mazzetto Franco
- 25 de jul.
- 3 min de leitura
Durante décadas, fomos advertidos: "A democracia é frágil". Mas poucos imaginavam que, em nome dela, veríamos ressurgir práticas próprias de regimes que juramos ter deixado no século passado — perseguição a dissidentes, prisões arbitrárias, censura prévia e o medo pairando sobre a opinião pública.
Os eventos de 8 de janeiro de 2023 se tornaram o estopim para algo muito mais profundo do que depredações ou vandalismo: foram o álibi perfeito para instaurar uma nova ordem moral autoritária, em que o Estado passa a decidir não apenas o que é crime, mas quem merece ser destruído por pensar de forma “inadequada”.
De vítimas a inimigos do Estado
Débora dos Santos, uma cabeleireira, sem antecedentes, mãe de dois filhos, tornou-se símbolo dessa distorção jurídica. Sua “ameaça”? Ter escrito com batom a frase “perdeu, mané” em uma estátua. Por isso, foi condenada a 14 anos de prisão — uma pena que supera, em muitos casos, a aplicada a homicidas confessos. Qual a proporcionalidade? Qual a justiça? A resposta é simples: não se trata de justiça, mas de exemplo. Uma punição usada como instrumento de medo.
Daniel Silveira foi preso por palavras — não por atos. Oswaldo Eustáquio, jornalista, perseguido e impedido de exercer sua profissão. Filipi Martins, assessor, tornou-se alvo por associação ideológica. Senhoras idosas, como Vildete Guardia e Iraci Nagoshi, foram humilhadas, presas, soltas e presas novamente. Por quê? Por ousarem estar em Brasília, por não rezarem a cartilha da narrativa oficial. A prisão deixou de ser medida de justiça — virou ferramenta de vingança.
A banalização da exceção
O Estado de Direito pressupõe limites, regras claras, penas proporcionais e juízes imparciais. Mas quando um Supremo Tribunal se converte em inquisidor político, e o Ministério Público em instrumento de silêncio, aquilo que chamávamos de República se torna uma encenação. Há leis — mas elas não valem para todos. Há processos — mas já se sabe quem será o culpado.
Os princípios de Veritas (Verdade) e Aequitas (Equidade) foram deixados de lado. Em seu lugar, instalou-se uma cultura de delação, cancelamento e censura. O Estado não busca mais proteger o cidadão, mas controlar suas ideias, suas piadas, seus posts e até seus protestos silenciosos.
A armadilha da democracia formal
Um dos maiores erros das democracias modernas é acreditar que eleições, por si só, garantem liberdade. Não garantem. Adolf Hitler foi eleito. Nicolás Maduro também. O que define uma democracia não é a urna, mas os limites ao poder do Estado — especialmente o poder de punir.
Hoje, vemos juízes que são ao mesmo tempo investigadores, acusadores e julgadores. Vemos condenações sem trânsito em julgado. Vemos a inversão da lógica liberal: o indivíduo se torna culpado até que prove sua inocência — se puder.
A responsabilidade do cidadão
Por trás de cada silêncio cúmplice, há uma liberdade perdida. A prisão de um inocente hoje é o prenúncio da sua prisão amanhã. Uma sociedade que aplaude a perseguição ao "outro lado" esquece que o arbítrio, uma vez solto, não volta para a gaiola tão facilmente.
A única forma de resistência real é a consciência moral. Não aquela moral “moderna”, líquida e subjetiva, mas a moral clássica, baseada em princípios eternos: justiça, verdade, proporcionalidade, liberdade.
Conclusão: resistir é um dever
Quando a Justiça serve ao poder, ela se torna o seu pior instrumento. Estamos diante de um novo absolutismo, com ares democráticos e justificativas morais. Mas a essência é a mesma de toda tirania: punir a divergência, exterminar a oposição e instaurar o medo.
Os presos políticos de 8 de janeiro não são mártires perfeitos — mas ninguém precisa ser perfeito para merecer justiça. Basta ser humano. E se a justiça não vale para todos, então ela não vale para ninguém.
É hora de tirar a venda dos olhos. O autoritarismo moderno não veste farda nem carrega armas — ele usa toga, caneta e hashtags. E se não reagirmos agora, talvez sejamos os próximos a ouvir: “perdeu, mané”.




Comentários