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Isabella Cêpa, liberdade de expressão e o perigoso ativismo judicial no Brasil

  • Foto do escritor: Rogério Mazzetto Franco
    Rogério Mazzetto Franco
  • 12 de ago.
  • 3 min de leitura

O caso de Isabella Alves Cêpa, influenciadora e ativista feminista, ganhou repercussão nacional e internacional ao expor um dilema central da democracia brasileira: os limites da liberdade de expressão diante da proteção de minorias e o papel do Poder Judiciário na criação de normas penais.


Em 2020, Isabella publicou em sua conta no X a frase “a mulher mais votada é homem”, referindo-se à deputada federal Erika Hilton, mulher trans, que havia sido eleita no pleito municipal daquele ano para a Câmara Municipal de São Paulo como a vereadora mais votada da capital paulista. A declaração provocou denúncia do Ministério Público de São Paulo com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2019, que equiparou homofobia e transfobia a crimes de racismo, aplicando-lhes a Lei nº 7.716/1989 até que o Congresso legisle sobre o tema.


O processo, inicialmente arquivado, foi reaberto em 2025 após recurso de Hilton e atualmente tramita no STF, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, sem decisão definitiva. Paralelamente, Isabella obteve status de refugiada política em país europeu, em decisão que contou com a Agência da União Europeia para o Asilo, fato que simboliza a gravidade do conflito em torno da liberdade de expressão e da tutela jurídica sobre discursos controversos.


O julgamento da ADO 26 e do MI 4733, no qual o STF decidiu sobre a criminalização por analogia, trouxe à tona um conjunto de tensões constitucionais. O ministro Celso de Mello afirmou que as práticas homotransfóbicas configuram racismo social e que a omissão do Legislativo constitui afronta ao princípio da igualdade. Já Gilmar Mendes destacou a necessidade de proteção à livre manifestação da personalidade e lamentou a inação do Congresso.


No entanto, esse entendimento, por mais nobre que seja na defesa dos direitos humanos, confronta diretamente o princípio constitucional da reserva legal previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, que determina que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Ao aplicar analogicamente a Lei do Racismo a condutas não tipificadas expressamente, o STF extrapola seu papel interpretativo e invade a competência legislativa, criando tipos penais sem aprovação popular, em evidente violação à separação dos poderes.


Essa judicialização da política penal, embora justificada como resposta à omissão parlamentar, representa um perigo real à democracia. O ministro Ricardo Lewandowski, em voto divergente, já advertiu que legislar cabe ao Congresso, e não ao Supremo, sob pena de ruptura do equilíbrio institucional.


Além disso, a distinção entre opinião e discurso de ódio permanece subjetiva e pouco definida no ordenamento jurídico brasileiro, o que amplia o risco de censura indevida e insegurança jurídica. Opiniões controversas, críticas ou até ofensivas podem ser interpretadas como discurso de ódio dependendo do entendimento do julgador, tornando difícil prever quando uma manifestação será criminalizada.


Essa indefinição é especialmente preocupante porque o STF, ao tentar equilibrar a proteção à liberdade religiosa, tem adotado critérios pouco objetivos sobre o que configura incitação ao ódio. Por exemplo, líderes religiosos podem expressar crenças contrárias a determinadas condutas ou identidades, mas a linha entre manifestar uma fé e promover discriminação é tênue e interpretada de forma variável. Essa margem de interpretação subjetiva abre espaço para decisões inconsistentes e potenciais abusos contra a liberdade de expressão, religiosa e de consciência, pilares do Estado Democrático de Direito.


O caso Isabella Cêpa transcende o embate judicial para simbolizar um momento decisivo: o choque entre proteger minorias vulneráveis e preservar liberdades fundamentais como a expressão e o devido processo legal. Defendemos a proteção contra discriminações, mas repudiamos qualquer tentativa de criminalizar opiniões dissidentes sem respaldo legal claro e democrático. A criação de crimes por meio de decisões judiciais configura uma perigosa usurpação que pode servir a interesses políticos e limitar a pluralidade de pensamentos.


Assim, embora o sofrimento de Isabella e o debate em torno de suas palavras mereçam atenção, o que está em jogo é maior: o respeito à Constituição, a legitimidade da lei e a manutenção do Estado Democrático de Direito. Defender direitos humanos e minorias é urgente e justo, mas jamais pode significar a erosão dos princípios que garantem a todos o direito de pensar, expressar e discordar — mesmo quando tais opiniões nos desagradam.


À medida que o processo evolui, uma nova etapa se desenha: a Procuradoria-Geral da República, por meio do procurador-geral Paulo Gonet, manifestou-se favorável ao arquivamento do caso, entendendo que a fala de Isabella “não ultrapassou os limites legítimos da manifestação de pensamento e opinião”, e que o instrumento jurídico utilizado no STF — a reclamação — não seria cabível nesse contexto.


Cenas dos próximos capítulos.


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