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A Criminalização da Política e o Silenciamento da Representação Popular

  • Foto do escritor: Rogério Mazzetto Franco
    Rogério Mazzetto Franco
  • 9 de ago.
  • 3 min de leitura

A recente ofensiva contra cinco deputados federais oposicionistas, alvos de pedidos de suspensão de mandato por até seis meses, escancara uma perigosa escalada de criminalização da atividade política no Brasil. A acusação? Terem ocupado a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em ato de obstrução. O termo usado por seus adversários políticos é “golpe”; a realidade, no entanto, é bem diferente: tratou-se de um posicionamento político legítimo, dentro de um espaço institucional que pertence ao próprio Poder Legislativo e, por extensão, ao povo que nele é representado.


Hugo Motta (Republicanos–PB), presidente da Câmara, confirmou que as imagens das câmeras internas estão sendo analisadas e que a Mesa Diretora vai deliberar sobre as representações apresentadas por lideranças do PT, PSB e Psol, pedindo a suspensão cautelar dos mandatos. É crucial destacar: o presidente da Câmara não possui poder unilateral para afastar deputados; a decisão exige um processo formal, passando pelo Conselho de Ética e, em última instância, pelo Plenário. Ainda assim, o fato de a presidência da Casa endossar o avanço desses pedidos — sem um debate mais amplo sobre o direito à ação política — já é, por si só, preocupante.


É preciso lembrar que o trabalho de um parlamentar não se limita à elaboração de leis. Ele inclui também o embate político, a resistência a pautas, a negociação e, quando necessário, a obstrução regimental como forma legítima de pressão. A ocupação da mesa não é uma ruptura institucional, mas um gesto simbólico para manifestar oposição, amplamente utilizado em democracias ao redor do mundo. Rotular esse ato como “golpe” é um artifício retórico que deturpa a realidade e mina a essência da representação popular.


O mais grave é o precedente que se cria. Se a ocupação da própria mesa legislativa por deputados eleitos pode levar à suspensão de mandatos, o que impede que amanhã se puna um discurso inflamado ou um voto contrário? Essa lógica asfixia a liberdade parlamentar e transforma o Congresso numa repartição submissa, onde a divergência é tratada como crime e a obediência cega como virtude.


A democracia vive do conflito de ideias. A atividade parlamentar é, por natureza, ruidosa, incômoda e, por vezes, teatral — e é exatamente isso que garante que vozes diferentes sejam ouvidas. Quando o Legislativo se deixa capturar por uma lógica punitiva contra seus próprios membros, está, na prática, assinando sua renúncia como poder independente.

O Brasil já viu esse filme antes — e não terminou bem. Em dezembro de 1968, o regime militar editou o AI-5, que fechou o Congresso Nacional e cassou mandatos de parlamentares que ousavam criticar o governo. Sob o pretexto de “garantir a ordem” e “manter a institucionalidade”, o país mergulhou num período de supressão das liberdades políticas e censura generalizada.


Exemplos recentes no exterior mostram o mesmo padrão. Na Venezuela, Hugo Chávez e, depois, Nicolás Maduro enfraqueceram progressivamente a Assembleia Nacional, esvaziando suas funções e punindo opositores com processos políticos. Na Nicarágua, Daniel Ortega transformou a criminalização da oposição em política de Estado, retirando mandatos, prendendo rivais e tornando o Parlamento uma mera formalidade para validar decisões do Executivo.


O denominador comum é sempre o mesmo: um poder passa a definir o que é “atividade política legítima” e o que é “ato punível”, sempre de acordo com a conveniência do grupo dominante. Hoje, no Brasil, a narrativa oficial tenta vender a ideia de que ocupar a mesa diretora do Parlamento é um crime contra a democracia. Mas a verdade é que, se essa tese prosperar, o crime contra a democracia será justamente punir parlamentares por fazer política.

Se o Parlamento não proteger a liberdade de ação política de seus membros, estará traindo não apenas seus representantes, mas o próprio eleitorado. A suspensão de mandatos por atos políticos não é defesa da democracia — é a sua negação. E quando a política vira crime, o silêncio é imposto à força, deixando o povo órfão de sua voz.

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