O início da submissão: quando Bolsonaro se curvou ao STF
- Rogério Mazzetto Franco
- 4 de set.
- 2 min de leitura
Alguns episódios, aparentemente menores, se revelam decisivos para compreender o destino político de um governo. No caso de Jair Bolsonaro, o ponto de inflexão pode ser localizado em abril de 2020, quando o ministro Alexandre de Moraes, em decisão monocrática, suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. A reação presidencial foi imediata: acatamento. Não houve resistência jurídica consistente, tampouco articulação política para contestar a decisão. Apenas silêncio e obediência.
O contraste com Renan Calheiros, anos antes, é eloquente. Em 2016, o ministro Marco Aurélio Mello determinou seu afastamento da presidência do Senado. Renan, respaldado pela autonomia do Legislativo e pela própria lógica da separação de Poderes, simplesmente ignorou a ordem. O Senado não parou. Dias depois, o plenário do Supremo reviu a decisão, e Renan permaneceu no cargo.
Do ponto de vista jurídico, a diferença entre os casos é significativa. A decisão contra Renan baseava-se na premissa de que um réu em ação penal não poderia ocupar a linha sucessória da Presidência da República. Frágil em sua fundamentação, a medida avançava sobre a independência do Legislativo. Já a suspensão da posse de Ramagem tocava em prerrogativa típica do Executivo: a liberdade de nomeação para cargos de confiança. Neste segundo caso, a Constituição oferecia ao presidente sólidos argumentos para resistir. Bolsonaro, no entanto, optou pela submissão.
Esse gesto inaugurou uma dinâmica perversa. O Supremo, ao perceber que podia constranger o chefe do Executivo sem encontrar resistência institucional, ampliou gradualmente seu espaço de atuação. O Executivo, por sua vez, passou a atuar sob tutela, perdendo, passo a passo, sua autonomia.
Bolsonaro não enfrentou, e essa escolha produziu consequências profundas. O tribunal, que desde a eleição de 2018 já o tratava como inimigo político, expandiu sua atuação para além dos limites constitucionais, acumulando funções incompatíveis com o Estado de Direito: vítima, investigador, acusador e juiz. O “inquérito das fake news”, nascido sem provocação do Ministério Público, tornou-se o símbolo maior dessa distorção.
Hoje, o ex-presidente encontra-se tolhido em sua liberdade de expressão, submetido a vigilância estatal e enquadrado em investigações cuja legalidade de origem é amplamente contestada. Sua situação não é resultado apenas das ações de seus adversários, mas também da escolha inicial de não reagir quando suas prerrogativas constitucionais foram pela primeira vez violadas.
O paradoxo se impõe: Renan sobreviveu porque desobedeceu; Bolsonaro enfraqueceu porque se curvou cedo demais. A democracia brasileira, que deveria se sustentar no equilíbrio entre Poderes, assiste, inerte, à supremacia de uma corte que atua como Poder absoluto.
E o ponto de partida dessa submissão permanece registrado: a suspensão da posse de Alexandre Ramagem, o momento em que o presidente da República escolheu obedecer e, ao fazê-lo, abriu caminho para que o Supremo transformasse a exceção em regra, a tutela em costume e a ilegalidade em normalidade.
Como lembrava Olavo de Carvalho, "Nunca busque a segurança, busque a força. … O fundamental é você ser sempre forte para poder reagir às situações".
Bolsonaro, ao abdicar dessa força essencial, não apenas perdeu uma disputa política: deixou um legado de fragilidade institucional que ecoa até hoje.




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